O legislador não estabeleceu um limite (teto) numérico para a formação do litisconsórcio, seja no polo ativo, seja no polo passivo, tornando a regra, portanto, livre (CF, art. 5º, II).
Entretanto, o número excessivo de litigantes no processo constitui embaraço que repercute diretamente na regra constitucional da duração razoável do processo (CF, art. 5º, LXXVIII, e CPC, art. 4º e a ampla defesa (art. 5º, LIV, CF e CPC, arts. 9º e 10).
Sempre que o juiz constatar que o número dos litisconsortes, sejam ativos ou passivos, puder prejudicar a rápida solução do litígio ou dificultar o exercício do direito de defesa, poderá “limitar” o seu número para que atinja a sua finalidade de eficiência e celeridade. Trata-se de uma possibilidade de recusa motivada do litisconsórcio.
A esse fenômeno, a doutrina denomina como litisconsórcio multitudinário.
Existem, todavia, algumas questões a serem enfrentadas:
a) Incidência. Essa limitação do magistrado quanto ao número de litigantes só poderá ser efetivada no litisconsórcio facultativo. No litisconsórcio necessário tal limitação não poderá, em princípio, ocorrer, tendo em vista o regramento do art. 114 do CPC, em que não há autorização, mas sim determinação, para a formação do litisconsórcio, seja por força de lei, seja pela natureza jurídica que a relação assim impuser. Logo, escapa do espectro de abrangência do juiz essa deliberação.
Contudo, o litisconsórcio necessário foi estabelecido pelo legislador de forma geral e abstrata, motivo pelo qual entendemos ser possível o magistrado, à luz das circunstâncias práticas, limitar o litisconsórcio, mesmo que necessário, em atenção à efetividade processual. Deverá, portanto, o juiz ponderar os valores em jogo para aplicar a melhor solução no caso concreto.
Ademais essa regra apenas terá aplicabilidade na fase de conhecimento, execução ou liquidação de sentença.
b) Princípio inquisitivo. É possibilitado ao juiz o conhecimento de ofício dessa regra (“o juiz poderá limitar o litisconsórcio…” (art. 113, § 1º, CPC e STJ, REsp 908.714/BA). E isso porque constitui fato jurídico ligado à admissibilidade da petição inicial. Este controle é feito, em regra, ab initio (art. 321, CPC), constituindo norma cogente. É fundamental que o réu seja intimado/citado para se manifestar.
c) Incidente. O réu poderá, independentemente da averiguação pelo juiz, arguir um verdadeiro incidente processual, alegando o número excessivo de litigantes. Este incidente, à falta de regulamentação, será suscitado em peça autônoma independentemente das outras eventuais defesas que venha o réu a fazer.
d) Interrupção do prazo. Não é possível formular este pedido dentro da contestação. Essa afirmação se extrai da interpretação do art. 113, § 2º, do CPC ao explicitar que se interrompe o “prazo para manifestação ou resposta”, ou seja, não incorre em nenhuma preclusão consumativa, tendo em vista que o prazo lhe será devolvido integralmente.
e) Limite. Corretamente a lei não estabeleceu o que vem a ser número excessivo para fins de aplicação da regra. Constitui norma de conceito vago e indeterminado que deve ser aferida pelo juiz à luz do caso concreto. Portanto, não há um número limite de litigantes, a despeito de alguns tribunais, a nosso ver, indevidamente, “baixarem resolução” estabelecendo numericamente o teto a ser observado. É possível que num dado processo em que apenas verse sobre matéria de direito, 500 pessoas não seja um número excessivo, mas em outro, que há pesada instrução probatória, 20 pessoas possa ser um número demasiado para o andamento do processo.
f) Consequências da aplicação da regra. Um problema não debruçado pelo CPC/2015 foi o modus operandi dessa limitação, ou seja, constatado o excesso de litigantes, deve o juiz fracionar os processos dentro do mesmo juízo ou redistribuir os feitos para outras varas? A despeito da lei falar em limitação a expressão desmembramento parece ser mais acertada.
No Brasil há duas correntes sobre o tema:
Uma primeira corrente defende que o magistrado, ao limitar o litisconsórcio, excluirá os “litigantes em excesso”. Nesse caso, se autores, deverão propor nova demanda; se réus, serão citados para nova demanda separada (Ovídio Baptista da Silva e Sérgio Bermudes).
Uma segunda corrente defende que o magistrado, ao limitar o litisconsórcio, desmembra o processo em pequenas frações e as mantém perante o mesmo juízo. É o que aparentemente se decidiu no Enunciado 386 do FPPC[1].
Inegavelmente, em nossa opinião, constitui a segunda corrente a melhor solução. Primeiro, pela economia processual ao não impor a formação de novos processos separados com novas custas. Segundo, pela regra do juiz natural e especialmente por uma questão de realidade prática: a eventual propositura de novas demandas em separado certamente ocasionariam a reunião dos feitos por força da conexão, seja pela identidade de elementos da demanda, seja para evitar decisões conflitantes.
Assim, em atenção à harmonia dos julgados e para evitar a indesejável existência de decisões conflitantes, entendemos que os processos devem permanecer perante o mesmo juízo para que sejam formados “apensos” (quando se tratar de autos físicos) submetidos à apreciação de um único magistrado e seja proferida uma única sentença.
O desmembramento, no caso de se tratar do polo passivo, deve levar em consideração os efeitos da citação válida (art. 240, CPC) desde o protocolo originário da petição inicial (FPPC, Enunciado n. 117).
É ainda possível não proceder ao desmembramento, mas adequar o procedimento para atender o número de litigantes. É o que defende o Enunciado n. 116 do FPPC “Quando a formação do litisconsórcio multitudinário for prejudicial à defesa, o juiz poderá substituir a sua limitação pela ampliação de prazos, sem prejuízo da possibilidade de desmembramento na fase de cumprimento de sentença” com fundamento no art. 139, VI, CPC[2].
Da decisão que rejeitar o pedido de limitação do litisconsórcio multitudinário caberá agravo de instrumento (art. 1.015, VIII, CPC). Pela isonomia é necessário admitir também que a decisão que acolhe o pedido de limitação também desafie o recurso de agravo, a despeito da restrição contida em lei.
[1] Enunciado 386, FPPC: “A limitação do litisconsórcio facultativo multitudinário acarreta o desmembramento do processo”
[2] Da qual compete ao juiz: “VI – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito”.