A responsabilidade patrimonial é um corolário natural da função e estrutura da atividade executiva.
Essa atividade constitui um processo ou fase com finalidade de satisfação do crédito do exequente portador de um dado título executivo. Na forma de execução mais comum, a denominada execução por sub-rogação, o Estado invade de forma direta a esfera patrimonial do executado para que possa proceder a apreensão dos bens e a conversão em renda para o credor (que pode ser obtida com o produto da venda por alienação, adjudicação, entre outros). Contudo, para que seja possível tal situação é necessário que haja patrimônio suficiente do executado de modo a responder para com a obrigação e (ainda) que esse patrimônio seja suscetível de constrição (sem impedimento de alienação, seja de oneração). Dessa forma, a responsabilidade patrimonial sujeita o patrimônio do responsável (executado ou terceiro) para com o processo (CPC, art. 789 e CC, art. 391),
[1] Enunciado 386, FPPC: “A limitação do litisconsórcio facultativo multitudinário acarreta o desmembramento do processo”
[1] Da qual compete ao juiz: “VI – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito”.
independentemente de esses bens estarem ou não em poder do devedor (CPC, art. 790, III)[1].
A distinção civilista entre obrigação (Schuld) e responsabilidade (Haftung) dividiu a doutrina em uma teoria unitária[2], no sentido de que um (obrigação) apenas poderia existir com o outro (responsabilidade). E (para nós, o melhor entendimento) aquela que defende uma verdadeira teoria dualista[3], que tratam ambos os fenômenos como elementos distintos. Assim, é possível asseverar que em alguns casos exista a responsabilidade sem obrigação (como no caso do fiador ou em algumas das hipóteses encartadas no art. 790 do CPC) e casos de obrigação sem responsabilidade, que são, em verdade, mais raros, na medida em que a responsabilidade patrimonial é a regra.
Contudo, é possível colher algumas situações em que se encontra o elemento obrigação sem a correlata responsabilidade, como nas obrigações naturais[4] (dívidas de jogo, débitos prescritos), bem como a obrigação da Fazenda Pública, já que seus bens não são suscetíveis de penhora e, portanto, não serão responsabilizados (CF, art. 100 e CPC, art. 910).
Como decorrência do que foi exposto, é possível concluir que a obrigação tem função estática, pois há apenas a potencialidade de cumprimento.
Como se pode ver, não há nela nenhum dever ou autorização para que se retire bens do patrimônio do devedor nem há movimentação jurídica para alterar aquela realidade. Já a responsabilidade é sempre dinâmica, pois o Estado atua sobre o patrimônio do particular para a satisfação de seu crédito. As leis de processo, em decorrência do poder de sub-rogação/coerção judicial são aptas a produzir o resultado esperado pela obrigação (satisfação). A obrigação constitui um direito subjetivo inverso, pois se trata, em verdade, de uma situação de desvantagem em relação ao titular do direito.
Estabelece o art. 789 que “o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei”.
Constitui a disposição normativa que prevê a vinculação patrimonial dos bens do executado para com o cumprimento da dívida.
Conhecidas e reiteradas são as críticas na redação do dispositivo: primeiro porque estabelece como responsável somente o devedor, quando na verdade a lei confere a outras pessoas esse encargo. Segundo porque a locução “presentes e futuros” carece de melhor fixação temporal. Quando a lei se vale da expressão “presentes e futuros” não se pode tomar pela literalidade, afinal, não se pode imaginar que haja a penhora de bens que o executado sequer pensa em adquirir.
Dessa forma, o artigo deve ser interpretado da seguinte forma: o devedor ou o responsável responde pelo cumprimento de suas obrigações com todos os seus bens presentes no momento da distribuição da execução. Responde também com os futuros, adquiridos na constância do processo, e com os passados, desde que a alienação esteja tipificada como fraude contra credores.
Para que fique claro, é importante entender que a alienação e/ou oneração de bens no curso do processo não são vedadas, apenas a sujeição desses bens é que ficará condicionada à solvência do devedor. Como regra, o sujeito passivo na execução é aquele que figura no título executivo,
[1] Nosso ordenamento não admite exceção: o atual estágio em que se encontra o sistema processual brasileiro não autoriza, como se fazia no período romano, o esquartejamento, a morte ou escravidão do devedor.
[2] Ovídio Baptista da Silva, Frederico Marques, Washington de Barros Monteiro.
[3] Araken de Assis, Luiz Guilherme Marinoni, Cândido Rangel Dinamarco, Teori Zavascki.
[4] Obrigação natural é “aquela em que o credor não pode exigir do devedor uma certa prestação, embora, em caso de seu adimplemento espontâneo ou voluntário, possa retê-la a título de pagamento e não liberalidade” (Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 2, p. 56).
seja judicial, seja extrajudicial. Como decorrência dessa situação e do escopo da execução, são seus bens que respondem pela dívida. Contudo, a lei estabelece, em algumas situações, que os bens de terceiro, ou mesmo do devedor em determinadas circunstâncias, respondam pela obrigação.
Art. 790. São sujeitos à execução os bens:
I – do sucessor a título singular, tratando-se de execução fundada em direito real ou obrigação reipersecutória;
II – do sócio, nos termos da lei;
III – do devedor, ainda que em poder de terceiros;
IV – do cônjuge ou companheiro, nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem pela dívida;
V – alienados ou gravados com ônus real em fraude à execução;
VI – cuja alienação ou gravação com ônus real tenha sido anulada em razão do reconhecimento, em ação autônoma, de fraude contra credores;
VII – do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica.
Verifica-se pela leitura do art. 790 do CPC que nem sempre há uma perfeita simetria entre a legitimidade e a responsabilidade. A legitimidade refere-se à situação jurídica (polo passivo) em que o devedor figura na relação processual executiva. A responsabilidade está ligada à sujeição patrimonial dos bens, ou seja, o vínculo do devedor com outras pessoas que vincula os bens dessa (responsabilidade) para o cumprimento da obrigação. Assim, na responsabilidade primária o sujeito é obrigado e responsável; na secundária, apenas responsável, pois não contraiu a obrigação.
A grande discussão é saber se os responsáveis executivos secundários são partes ou terceiros. Para responder a essa pergunta, deve-se indagar, o que define a qualidade de parte, obrigação ou responsabilidade? A discussão é pertinente porque:
a) A lei não é clara sobre a legitimidade executiva. Ela confere responsabilidade a determinadas pessoas, mas não assevera em que condições ela participa do processo:
a1) há um descompasso entre o art. 779 do CPC (legitimidade passiva executiva) com o art. 790 do CPC (responsabilidade executiva secundária), o que, na prática, é fruto de grandes discussões;
a2) o próprio art. 779 do CPC confunde, pois enumera responsabilidade primária, colocando o devedor (incisos I, II e III) com responsáveis secundários (incisos IV, V e VI), mas deixando de fora os personagens do art. 790 do CPC;
b) a determinação desses sujeitos (na condição de parte ou terceiro) permite saber se eventual defesa de seu patrimônio será manejada por embargos à execução/impugnação ou embargos de terceiro.
Não obstante haver diversas correntes sobre o assunto, entendemos que os responsáveis executivos secundários são legitimados processuais passivos na execução. Isso porque o fundamental motivo da execução, mais do que meramente o executado pagar (punição), é sujeitar algum bem para a satisfação do crédito (posicionamento defendido por Barbosa Moreira, Cândido Dinamarco, Araken de Assis, Eduardo Talamini, Paulo Lucon e Rogério Licastro).
Afinal, qual a prioridade da execução? A satisfação do crédito. E essa satisfação será efetivada sobre o quê? Sobre os bens do responsável. E quem possui melhores condições para discutir a questão junto ao devedor originário? Esse responsável.
São questionamentos necessários aptos a comprovar essa afirmação.